
Modernidade perene
arquitetura | Julio Katinsky | @juliorobertokatinsky
COM JULIO KATINSKY, NEM TUDO SE TRANSFORMA COM O TEMPO – AINDA BEM
Foto em destaque acima: Uma das premissas básicas da arquitetura moderna brasileira é a conexão das áreas interna e externas, e isso Julio Katinsky aplicou em sua própria casa.
Passado, presente e futuro se confundem na conversa com o arquiteto, designer, professor e pesquisador acadêmico Julio Katinsky. Seus cabelos muito brancos evidenciam a idade avançada, mas os olhos claros, atentos, e a fala firme, em alto e bom tom, enchem o ambiente com a lucidez deste profissional que, há décadas, utiliza o seu trabalho para promover uma sociedade mais conectada.
Segundo o arquiteto, a forma como ele entrou para a arquitetura não foi nada ‘romântica’. “Eu não queria fazer nada que fosse exclusivamente fechado, e sentia pela postura dos arquitetos brasileiros que nossa arquitetura era muito aberta”. Antes mesmo de entrar na faculdade, Julio Katinsky era bem próximo de nomes como Oscar Niemeyer, Lucio Costa, Affonso Eduardo Reidy, Vilanova Artigas, Sergio Bernardes, entre outros. “Raramente você encontra projetos desses arquitetos que não estejam, até certo ponto, relacionados ao entorno. E eu me interessei em ter essa mesma postura”. Ora… não é ‘romântico’ ingressar uma carreira profissional com um objetivo tão nobre?
Ainda que as grandes obras da arquitetura moderna tenham sido realizadas no século passado, os princípios que norteavam essas construções são absolutamente contemporâneos. A era digital trouxe fluidez para as relações humanas, já que estamos sempre a um clique de nos conectarmos com algo ou alguém. “No Brasil a arquitetura ainda reflete isso, mas esta conexão foi esquecida em grande parte da Europa”, diz Katinksy. De acordo com o arquiteto, os europeus deram predileção à arquitetura do espetáculo, que aposta em recursos como entortar os prédios para criar efeitos visuais instigantes. “Os arquitetos brasileiros não estavam interessados no espetáculo. Dá para fazer isso de entortar prédio, mas envelhece depressa”, confirma o profissional.
Na falta de mobiliário que se adequasse aos projetos arquitetônicos em um Brasil ainda sem uma potente indústria moveleira, a solução foi também desenvolver as próprias peças, e assim Katinsky iniciou sua trajetória como designer. A casa onde ele vive, finalizada em meados de 1974, explora bem essa realidade. Localizada em Perdizes, o espaço conta com muitos móveis que foram desenhados por ele próprio. E o visual arrojado do projeto, elegante e contemporâneo, é praticamente o mesmo de 40 anos atrás. “Quem não presta atenção acha que a cozinha é exatamente igual, mas se olhar bem vai ver que tem um nicho para a máquina de lavar que antes não existia”, rememora o arquiteto. Ele afirma, com razão, que toda casa está sempre em transformação, mas não nega que a estética dos interiores se manteve a mesma.
Julio Katinsky também se atualizou ao longo dos anos, sem abrir mão das qualidades do passado que tanto valoriza. Seja na redação de um texto, ou na criação de um projeto a ser construído, ele começa a trabalhar manualmente, escrevendo e desenhando, e depois passa para o computador, fazendo as devidas correções e adaptações. Sabe que é importante ter a tecnologia a seu favor, mas incentiva os iniciantes na carreira a usar antes as mãos para trabalhar. “Quando eu melhorei o meu desenho, melhorei a minha cabeça. E à medida que vou melhorando minha cabeça, melhoro também meu desenho”.
Julio Katinsky é cauteloso. Não fala sobre projetos a serem lançados, nem mesmo a respeito dos mais recentes. Segundo ele, é necessário um espaço de tempo maior para falar sobre o que se fez com maior clareza. Também se recusa a prever o futuro da arquitetura. Limita-se a dizer: “Certamente será muito rico, porque hoje há muito mais arquitetos que no meu tempo. O futuro é brilhante, mas não sei qual vai ser o brilho”.
A escada, acima, é uma estrutura da casa tão fixa quanto parte do mobiliário. Exemplo disso são o sofá e a mesa, abaixo.
Detalhes no décor mudaram ao longo do tempo, mas a essência é a mesma: “Minha casa ficou muito bonita, desculpa a falta de modéstia”
Texto: Victor Hugo Félix | @vhbfelix
Fotos: Dtivulgação