
Concreto: história e relação com o Brasil
obra | por Monelli Oliveira
QUANDO TODAS AS INVENÇÕES PARECIAM JÁ CREDITADAS A PESQUISADORES ESTRANGEIROS, ARTISTAS BRASILEIROS CONTRIBUEM PARA O DESENVOLVIMENTO DO CONCRETO E O TRANSFORMAM EM OBRAS MUNDIALMENTE RECONHECIDAS.
Foto em destaque: Roberto Spina (divulgação): Casas gêmeas de Paulo Mendes da Rocha e João de Gennaro (1964 e 1967)
Na tentativa de encontrar materiais e sistemas construtivos mais evoluídos, o homem vem procurando os chamados materiais “ligantes”. Alguns indícios são encontrados nas Pirâmides do Egito e os romanos usavam a “pozolana” – rochas de origem vulcânica com elevado teor de sílica, para as construções de templos e estradas. Certa vez, um químico inglês chamado Joseph Aspdin queimou argila, pedras calcárias e as transformou em um pó fino. Ao secar, percebeu que a mistura era tão resistente quanto as pedras utilizadas nas construções. Isso ocorreu em 1824 e no mesmo ano, o químico patenteou sua descoberta batizada de Portland, em homenagem a ilha rochosa de Portland, em Dorset, sudoeste da Inglaterra. O inglês fez uma das maiores descobertas do mundo, afinal, o cimento Portland é o segundo material mais consumido no planeta, perdendo apenas para a água. Um século depois de patenteado, o cimento Portland chegou ao Brasil com a instalação da primeira Companhia de Cimento Portland, em São Paulo, intensificando a história do país com o material.
Tão antigo quanto o próprio cimento, os aditivos – em uma versão orgânica – já eram usados pelos incas e romanos. De acordo com alguns estudos, claras de ovos eram adicionadas ao concreto para torna-lo mais fácil de trabalhar. No Brasil, há registros de obras históricas, igrejas e pontes como os Arcos da Lapa (RJ), onde o óleo de baleia era agregado à argamassa, a fim de solidificar as construções. Ao longo do tempo, uma série de aditivos sintéticos especiais foram desenvolvidos para apender mais dureza, resistência, durabilidade, trabalhabilidade, além de reduzir a hidratação (evitando rachaduras e segregação), além de acelerar o processo de desforma do material, como no caso dos pré-moldados. Tudo isso deixou o concreto ainda mais versátil, permitindo grandes criações no passado e também no período arquitetônico em que vivemos, em que o bonito não é perfeito.
“Me lembro bem de um encontro há vinte anos, com um engenheiro civil francês, que num bate-papo disse o quanto considerava incrível o que nós brasileiros fazíamos com o concreto. Já sabia que as referências do engenheiro eram os projetos da chamada Escola “Brutalista” Paulista de Arquitetura – nome atribuído ao conjunto de residências, edifícios escolares e muitos outros belíssimos projetos que saíram das pranchetas de nomes como Paulo Mendes da Rocha e Ruy Ohtake, entre outros, e que teve sua origem ligada à figura do paranaense radicado em São Paulo, João Batista Vilanova Artigas”, conta o arquiteto e professor de arquitetura contemporânea Roberto Spina.
Conforme o discurso de Artigas, a arquitetura deveria servir às necessidades do povo e o objetivo fica evidente ao lançar um olhar observador sobre as construções da época, que priorizavam os ambientes de convívio social, em detrimento dos privados. Enquanto técnica construtiva, o uso de elementos pré-moldados deveria prevalecer, gerando rapidez e economia. “O que observamos é o emprego do concreto de forma, moldado no canteiro de obra, sem qualquer revestimento ou apenas resinado, e que em muitos casos, permite a criação de texturas na superfície. A exemplo disso, temos os pilares do Sesc Pompéia (SP), de Lina Bo Bardi, que se tornou uma das referências da escola”, lembra Spina. Nos projetos das décadas de 1960-70 observamos que o concreto assume total protagonismo, afinal a estrutura torna-se a própria arquitetura.
Foto: (divulgação): “espaços ditos feios e inacabados convidam a serem construídos e reconstruídos” – Lina Bo Bardi
Dessa forma, todo tipo de elemento estrutural ou não, como por exemplo divisórias, escadas, guarda-corpos, brises, bancadas e mobílias, passaram a ser feitos in loco. A busca da planta livre e a necessidade de vencer vãos maiores encontraram resposta no emprego das nervuras e grelhas estruturais. As paredes de alvenaria, os telhados de madeira cobertos por telhas de barro e os adornos nas fachadas deram lugar aos volumes simples, às linhas retas, caixilharias minimalistas, sem concessão a quaisquer tipos de decorativismo. “Portanto, podemos dizer que os brasileiros adotaram o concreto como matéria-prima fundamental de trabalho e por isso se tornaram mundialmente conhecidos e prestigiados”, afirma o arquiteto.
Para o arquiteto italiano Daniele Lauria, um grande conhecedor da América Latina, há uma diferença entre a maneira como alguns arquitetos trabalham o concreto. “Enquanto João Batista Vilanova Artigas, Pedro Paulo Melo Saraiva e Paulo Mendes da Rocha usaram o concreto para moldar estruturas extraordinárias, aproveitando ao máximo o potencial do material; arquitetos como Oscar Niemeyer (a Oca) e Lina Bo Bardi (Vão livre do MASP) usam o concreto como instrumento para atingir o objetivo de criar edifícios únicos”, diz o arquiteto. Entre os projetos de Lauria no Brasil, um dos mais recentes é a nova sede da STOKTOTAL – representante brasileira da MOTOROLA Solutions – que o arquiteto chama de retrofit do novo, pois “corrige” aquele usado para obter licenças de construção.
Projeto: Studio Lauria / Foto: Paula Frantin (divulgação): as esquadrias se transformaram em volumes suspensos, adequadamente dobrados e inclinados para conectar a linha vertical da janela com a das portas no piso térreo. Aqui decidiuse resolver um problema adicional do projeto inicial, que consistia no desenho de aberturas em diferentes alturas, “encaixando-as” na alvenaria e realçando as juntas verticais.
Na arquitetura de interiores, os pilares, vigas e lajes foram expostos, o piso de cimento queimado trouxe o ar fabril do design industrial, ao lado dos tijolos aparentes e hoje vivemos a febre dos revestimentos “cimentícios”, Regionalismos a parte, pois encontramos em nosso país uma grande diversidade de condições climáticas, econômicas, sociais e culturais, podemos perceber a continuidade da presença marcante do uso do concreto na construção civil, na arquitetura e no design de interiores, que exploram não só as características técnicas singulares, mas a também a expressão plástica por vezes desprezada.
Arquieto: Daniele Lauria
Arquiteto e Professor Universitário: Roberto Spina
Foto | Projeto : Francis Larsen (divulgação): o rack contínuo em concreto é uma alternativa ao MDF.